segunda-feira, 23 de março de 2015

Cendhec elabora Nota Pública com seu posicionamento contrário a Redução da Maioridade Penal


Imagem: Oficina de Imagens

NOTA PÚBLICA

O Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social - Cendhec, entidade da sociedade civil que tem a missão, dentre outras, defender e promover os direitos humanos de crianças e adolescentes vem manifestar seu posicionamento CONTRÁRIO ao conjunto de Propostas de Emendas Constitucional existentes no Congresso Nacional, cuja finalidade é alterar o art. 228 da Constituição Federal de 1988 para reduzir a Maioridade Penal e dar o mesmo tratamento a adolescentes e adultos.

Inicialmente sugerimos a todos e todas, a considerar que nós, de alguma forma, temos responsabilidades e deixamos marcas na trajetória e história de vida desses adolescentes que, pela negação de direitos, ausência dos pais/responsáveis, ação e omissão da sociedade e do estado, encontra-se em prática de ato infracional ou vulneráveis a ela. Nesse sentido, iniciamos nosso diálogo com uma lição do Gonzaguinha, nos ilumina que nos chama a refletir:

“...E aprendi que se depende sempre
De tanta, muita, diferente gente;
Toda pessoa sempre é as marcas
Das lições diárias de outras tantas pessoas.”
(Gonzaguinha. Caminhos do Coração)

Nesse momento de reflexão, apresentamos alguns aspectos relevantes que nos fundamenta a ser radicalmente CONTRA a Redução da Maioridade Penal:

Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção e Tratamento do Delinqüente (ILANUD), 10% do total de crimes no Brasil, são cometidos por jovens. Desse montante, cerca de 87% são atos contra o patrimônio, como roubo e furto, e não contra a vida. E os atos infracionais cometidos contra vida por adolescentes equivalem a menos de 2%. Em contraponto a esta constatação, o que se vê é um elevado nível de responsabilização dos adolescentes, posto que, em levantamento realizado em anos anteriores, considerando um período de 10 anos, os 90% dos “crimes” cometidos por adultos levou a duplicar o número de encarceramentos. Entretanto, identificamos que neste mesmo levantamento, foi constatado que para aqueles adolescentes que cometeram os 10% dos “crimes”, ou seja, a minoria, o número de adolescentes em regime de internação simplesmente quadriplicou, (397% de elevação do índice). Na mesma pesquisa é revelado que das violências cometidas contra a pessoa no país, mais de 40% ocorrem contra os adolescentes e jovens.

Essa questão desfaz o mito de que nada acontece com o adolescente que comete o ato infracional. Isso também é reforçado pelo fato de que o adolescente infrator pode ficar até nove anos respondendo por seus atos, através da progressão de medidas. Para especialistas em justiça juvenil, a punição pode até ser mais rigorosa do que a dispensada a um adulto. Por exemplo, um adulto pode responder por a uma acusação de homicídio em liberdade, já o adolescente não, esse vai direto para o internamento.

Diante disso, ocorre que as infrações praticadas por adolescentes ganham grande visibilidade e repercussão na mídia, causando uma falsa impressão de que o número de atos cometidos por adolescentes são elevados. Essa situação, além de desinformar a população sobre a verdade dos fatos, termina que a induz a um erro de julgamento e consequentemente deflagra uma campanha a favor da redução da maioridade penal, sem nenhuma base legal, científica e social.
Em nome da verdade e de uma postura justa, basta que se busque as informações nas Varas de Infância e Juventude, Delegacias Especializadas e outras fontes, que qualquer reporte ou cidadão comprovará que o alarde midiático e sensacionalista nestes casos não condiz com a realidade em números e em fatos, prova disto é que a cobertura de um episódio envolvendo um adolescente como autor da infração, repercute semanas na mídia, já os cometidos por adultos, imensamente em maior quantidade, tem bem menos repercussão e visibilidade, assim como os assassinatos de jovens no Brasil, que não repercute tanto como deveria (ver mapa da violência).

O discurso fácil daqueles que, ao invés de combaterem de forma efetiva e eficaz as VERDADEIRAS causas da violência, pregam o ataque a seus efeitos, contribuindo apenas para a perpetuação e agravamento do problema da violência.

Em termos de reincidência, o regime prisional para adultos apresenta índice elevado, beirando os 90% de reincidência, já o Regime de Internação para adolescentes chega a quase 60%. Considerando que as unidades de internação ainda não estão cumprindo devidamente o que rege o SINASE, negando dessa forma a vivência do processo socioeducativo.

Portanto, está mais do que provado que a punição pura e simples, bem como a quantidade de pena prevista ou imposta, mesmo para o adulto, não é um fator de diminuição da violência.  Dessa forma, acreditar que com a redução teremos comprovada a equação: “mais tempo de punição=menos crimes” é acreditar num MITO, concretamente a equação que pode funcionar é: Direitos efetivados = diminuição da violência.

Diante deste contexto, onde está o respeito à condição de pessoa em desenvolvimento e ao princípio da brevidade? O afastamento que, em tese, deveria ser temporário, passa a ser duradouro. Depois de anos de lutas, nacionais e internacionais, pela garantia de direitos, o Brasil está se propondo a uma política de segregação infanto-juvenil.

Não necessitamos de propostas simplistas, imediatistas e reducionistas de direitos. O Estado precisa favorecer a institucionalização do Sistema de Garantia de Direito, fundamentado no Art. 86 do ECA, fornecendo condições para que os órgãos públicos integrantes dele, implementem as políticas públicas e, atuando articuladamente com a sociedade civil, previnam violações e defendam direitos de crianças e adolescentes.

Então, com este sentimento, convocamos a todos e todas a serem proativos, a pesquisarem, a conhecer o tema, e com base em dados e pesquisas que revelam a verdade, não se iludirem com “argumentações” carregadas de senso comum, sem aprofundamento e comprovação, evitando dessa forma o risco de ser massa de manobra, daqueles e daquelas que fazem uso fácil e manipulado da opinião pública, não assumindo suas verdadeiras responsabilidades com as questão sociais no Brasil. E nesse aspecto, o Nelson Rodrigues nos faz pensar!

“É fácil livrar-se das responsabilidades.
  Difícil é escapar das conseqüências
 por se ter livrado delas”
(Nelson Rodrigues)


O momento é de nos unirmos e juntos fazer valer os Direitos das Crianças e Adolescentes nesse País, em todos os aspectos, direcionando nossas forças e energia para o cumprimento do que rege a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o SINASE.

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