Na semana que vem marcando os
11 anos de aprovação do Estatuto das Cidades (celebrado no dia 10 de julho), o
Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social (Cendhec) vem a público
refletir e sensibilizar para a importância de que a Cidade precisa ser pensada
como espaço para o exercício de direitos. O Cendhec defende a implantação de
políticas que inclua as pessoas, que melhore a qualidade de vida e onde
possamos opinar sobre o modelo de cidade que queremos para toda a população.
Diariamente nos deparamos com
os limites estruturais das cidades brasileiras: reservadas as devidas
proporções, temos problemas semelhantes nas médias e grandes cidades, como o
crescimento da periferia e pobreza urbana, revelando que mais de 2,2 milhões de
famílias no Brasil vivem em assentamentos informais, áreas pobres, em situação
de risco e vulnerabilidade social. Deste total cerca de 77% recebem até 3
Salários Mínimos - faixa de renda na qual está concentrado mais de 90% do
déficit habitacional brasileiro - num total de 5,5 milhões de moradias.
Este cenário é acentuado quando
observamos as regiões Sudeste e Nordeste: esta última concentra o segundo maior
percentual do déficit habitacional 35, 01%, ou seja 1, 96 milhão de domicílios
seriam necessários serem construídos para atender a uma das maiores
necessidades sociais da população nordestina e que se configura com direito
fundamental: o da moradia digna. Os dados são reveladores - só tomando por base
a habitação - de que a problemática urbana vem sendo a expressão das diferentes
faces das desigualdades sociais neste país, as quais se manifestam nas regiões,
estados e cidades.
Agregando um outro olhar para
as nossas cidades - a partir das perspectivas de gênero e raça - constatamos
que estas desigualdades se materializam, sobretudo, numa pobreza urbana
negra e feminina. A título de exemplo: é para população negra (mulheres, em sua
maioria), que fica o legado de educar e prover seus filhos/as, bem como o de
cuidar de outros familiares (como as pessoas idosas e/ou com deficiência –
irmãos, pais, mães, avós/ôs, etc); assim, as necessidades e responsabilidades
são delas de encontrar serviços e equipamentos públicos de Saúde,
Educação, Assistência e Lazer – o que, na realidade das comunidades periféricas
e de constituição informal são precários, insuficientes e até, inexistentes.
Como não bastasse e, tomando o
Centro do Recife como exemplo, a “simples” necessidade de caminhar, empurrar
uma cadeira de rodas ou andar com muletas nas ruas de nossa cidade, se
configura como um grande desafio: pela falta de manutenção de nossas calçadas,
pelo imenso número de sinais de pedestres que não funcionam e pela falta de
rampas que possibilitem o acesso das pessoas idosas, com deficiência física
e/ou com alguma dificuldade de mobilidade, aos espaços públicos. O direito
básico e fundamental de ir e vir referenciado na Constituição Brasileira, não é
garantido!
Trazendo à tona um debate bem
atual, diante das construções em torno dos megaeventos esportivos (Copa do
Mundo e Olimpiadas) só aprofundam ainda mais o fosso das desigualdades nas
nossas cidades, sobretudo com a construção de habitacionais e centros de
compras luxuosos para a dar lugar às “arenas da copa”. E por outro lado,
aceleram o processo de verticalização das nossas cidades, no intuito de
responder às demandas governamentais, com a construção de condomínios
“populares” com imóveis com 40m².
Os dados são reveladores de que
a problemática urbana vem sendo a expressão das diferentes faces da
desigualdade social neste país, região, estado e cidade. Esses apontam para uma
questão central, qual seja, a garantia do Direito à Cidade só será
possível com medidas que superem um modelo econômico que mercantiliza cada
metro quadrado da cidade, e a expressão mais presente da mercantilização das
cidades está posto com as grandes obras em torno dos eventos olímpicos e
esportivos, como por exemplo a Copa do Mundo de 2014.
Vivemos em um planeta que
abriga 7 bilhões de pessoas, com continentes em extrema pobreza, em crise
econômica, com mais 30% da população mundial morando em áreas precárias, o
planeta caminha para favelização. E, diariamente, nos quatro cantos do mundo,
vivenciamos violações sócio-urbanística – jurídica e ambiental. De que forma? Na
expulsão da população pobre das áreas valorizadas pelo mercado imobiliário,
mais recentemente em torno das arenas da Copa; na ida ao trabalho, escola,
faculdade, ao termos que usar um transporte público precário e com altas
tarifas; no acesso a água e ao saneamento básico, quanto a isso estima-se
que o Brasil precisaria de mais de 20 anos para universalizar o
saneamento básico no país; dentre outros exemplos, basta olhar para a rua mais
próxima, onde nos locomovemos dia-a dia.
Poderíamos optar neste artigo
comemorativo para falarmos sobre os saldos positivos no campo do Direito
sócio-jurídico ambiental com a aprovação do Estatuto da Cidade; da importância
histórica da luta do movimento em defesa da Reforma Urbana e sua incidência
política na formatação da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, e de
forma especial, da aprovação da Lei que criou o Fundo e o Sistema Nacional de
Habitação de Interesse Social. Mas, precisamos dizer que os ganhos
político-institucionais nos 11 anos de existência deste marco legal não
conseguiram romper com o crescimento das desigualdades nas cidades. Ao
contrário, os investimentos com o dinheiro público estão violando direitos,
dentre estes o direito a ter Direito a viver com dignidade nas cidades.
Texto produzido por:
Mércia Alves – assistente
social e coordenadora do Programa Direito à Cidade
Daniela Rodrigues – assistente
social do Programa Direito à Cidade