Na última segunda, 12 de janeiro, a Corte Especial do Tribunal de Justiça
de Pernambuco (TJPE), discutiu se era possível que moradores de Zonas Especiais
de Interesse Social (ZEIS) regularizassem seus imóveis através de ações de usucapião
individual.
O motivo do debate foi o entendimento de alguns juízes do primeiro
grau que defendem ser impossível para um(a) morador(a) de baixa renda,
residente em qualquer uma das 68 ZEIS de Recife, regularizar sua moradia por
meio da usucapião. Para esses magistrados, só seria possível a
regularização da área ZEIS como um todo e de uma só vez. Para isso seria
obrigatório que toda a comunidade entrasse com uma única ação coletiva em que
todos os moradores da área fossem autores da mesma.
O entendimento desses magistrados, nos
últimos seis anos, gerou quase 300 (trezentas) decisões negativas nas diversas
ações de regularização fundiária que correm na justiça estadual. O Centro Dom
Helder Câmara de Estudos e ação social (Cendhec), promotor de mais de 1200
ações judiciais de usucapião para regularização fundiária foi um dos principais
sujeitos políticos nesse debate.
O Cendhec, desde o aparecimento das
decisões que sustentavam essa tese, vem recorrendo ao TJPE e demonstrando que
não existiam bases legais que impedissem as ações de usucapião. Assim, a adoção
da tese da impossibilidade apenas funcionaria como uma barreira entre as
comunidades e o poder judiciário. Mais do que isso, a adoção definitiva dessa
tese não só impediria que as comunidades que hoje pedem a regularização
atingissem esse objetivo, como também impediria que qualquer morador de ZEIS,
de qualquer município de Pernambuco, no futuro, pudesse entrar com uma ação de
usucapião para regularizar seu imóvel.
O debate do tema foi chamado pelo
Desembargador Jones Figueiredo, que é relator de um dos recursos apresentados
pelo Cendhec. Tendo identificado decisões diferentes sobre o mesmo tema, o
Desembargador optou por provocar a Corte Especial do TJPE para que esta
unificasse os entendimentos.
Após uma longa espera, os
representantes do Cendhec, da associação Habitat Para a Humanidade Brasil e do
Fórum do PREZEIS receberam a notícia de que o último processo a ser analisado
naquela tarde seria o “incidente de uniformização de jurisprudência”
aguardado. O desembargador relator havia solicitado à presidência e aos colegas
desembargadores que este processo fosse julgado ainda naquela tarde, pois havia
no plenário representantes das comunidades ZEIS que aguardavam por aquela
decisão.
Inicialmente, o Ministério Público
solicitou a palavra e defendeu eloquentemente a possibilidade dos moradores
ajuizarem ações de usucapião. Tratava-se de forma de garantia do direito à
moradia a ser defendido pelo judiciário.
Após a apresentação do relatório do processo,
seguido pela sustentação oral realizada pelo advogado e membro da coordenação
do Cendhec, Alexandre Pachêco, o Desembargador Jones Figueiredo apresentou seu
voto. Demonstrou o Desembargador que concordava com os argumentos apresentados
pelo Cendhec e compreendia plenamente que a Constituição Federal e o Estatuto
da Cidade ofereciam aos moradores de ZEIS duas possibilidades para
regularização fundiária e que não poderia o magistrado obrigar a comunidade
inteira a se reunir numa única ação.
Após rápido debate a corte passou a
votação e Desembargador após Desembargador o TJPE afirmava o acesso à justiça e
o direito à moradia como valores de cidades em busca de justiça. O voto do
desembargador Relator foi adotado por unanimidade e o encerramento aplaudido
pelas lideranças que num raro momento se enxergavam no poder judiciário.