O CENTRO DE DEFESA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE YVES DE ROUSSAN – CEDECA/BA – vem a público manifestar sua total indignação e perplexidade diante do Caso das Crianças de Monte Santo, as quais foram entregues a terceiros, a título de guarda provisória, com total desrespeito às normas constitucionais, estatutárias e internacionais que regulam o instituto da adoção no país.
Após denúncia de uma militante social da REDE PROTEGER, o setor jurídico do CEDECA passou a acompanhar o caso, a partir de junho deste ano, sublinhando que o processo estava há um ano abandonado. Decerto que, se não fosse a força mobilizadora da sociedade civil organizada por meio do CEDECA, do Conselho Estadual da Criança e do Adolescente (CECA) e do Forum de Direitos da Criança e do Adolescente (Forum DCA), o caso permaneceria parado, sem qualquer possibilidade de retorno das mesmas para a sua família bio-afetiva.
Seria uma completa irresponsabilidade dos citados órgãos e da mídia em geral divulgar e concitar uma solução para este caso se ele não contivesse uma miríade de nulidades que depõem contra os operadores do direito que lá atuaram em meados de 2011 e houveram por mal conceder a citada guarda sem que o princípio constitucional do contraditório fosse respeitado. Ainda, o Estatuto da Criança e do Adolescente é claro quando afirma que a intervenção Estatal deve fortalecer e priorizar os vínculos da família natural para promover o superior interesse da criança.
Depois da família comparecer em peso ao Conselho Tutelar de Monte Santo em junho de 2011 para saber o paradeiro (?!) das crianças e exigir o seu retorno, este órgão oficiou ao juiz nos autos do processo no sentido de que fosse designado advogado gratuito para a defesa da família. O magistrado conheceu o pedido, porém não nomeou quem quer que fosse.
Após a apreensão das crianças manu militari, a família sequer foi citada para integrar a lide no pólo passivo, somente sendo realizada esta imprescindível regularização processual há poucos meses, conforme relatado, depois do caso ser denunciado pelos movimentos sociais.
Salienta-se que não havia situação de risco constatada, quer seja pela Assistente Social (CREAS) ou pelo Conselho Tutelar, enquanto as crianças estavam sob a guarda da família bio-afetiva. Logo, não foi identificada situação de trabalho infantil, abuso físico, sexual, maus-tratos ou abandono, além delas estarem matriculadas na escola, vacinadas e alimentadas. A respeito da alegada condição de higiene precária, apenas a Assistente Social destacou não haver rede de esgoto instalada na residência da família, responsabilidade dos poderes públicos, que deveriam ter sido oficiados para solucionar a questão, conforme disposição do ECA quanto ao procedimento a ser adotado na intervenção Estatal sobre qualquer família.
Somente uma visão elitista e insensível – incabível a juízes e promotores de justiça - diante da realidade sócio-econômica brasileira tornaria minimamente justificável identificar crianças brincando descalças em chão batido e a alimentação de recém-nascida com leite de vaca após o leite materno se exaurir como situação de risco capaz de fundamentar uma medida tão grave, a mais excepcional prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente - o encaminhamento de incapazes para abrigo e adoção.
É de extrema leviandade apontar os pais das crianças – Jerôncio e Silvânia – como drogados (sic) e, se os fossem, seria dever do Estado encaminhá-los a programas de auxílio e buscar a família extensa, reconhecidamente presente na criação das mesmas, além de lhes dar o direito de defesa para a efetivação do devido processo legal. Cabe salientar a atuação presente dos Avós maternos e paternos na assistência às crianças reconhecida no processo.
Causa espanto tratar como precária e excepcional, reversível a qualquer tempo, como quer fazer o crer a nota emitida pelo juiz Vitor Bizerra, a concessão de guarda para as famílias do interior do Estado de São Paulo. A grande distância física e cultural que esta localidade mantém de Monte Santo e o tempo em que o processo ficou sem tramitação desconstrói o discurso da efemeridade da medida, no que se apostou decidida e definitivamente na sua irreversibilidade. O juiz permaneceu na comarca seis meses em seguida à retirada brutal das crianças e nada mais fez no processo, embora coubesse a este impulsioná-lo.
Curiosamente, o juiz afirma que passaram a surgir na comarca pedidos de adoção para estas crianças. O que este não revela é que nas próprias petições iniciais, as famílias afirmam terem tomado conhecimento das crianças a partir de comunicação do juiz Vitor. Sobre o questionamento a respeito da paternidade, este não procede, pois Jerôncio é pai afetivo e jurídico das crianças citadas pelo juiz em note.
Sobre estes infantes, sujeitos de direitos, o CEDECA indigna-se com o tratamento que lhes foi dado a despeito de mais de 20 anos de luta dos movimentos sociais para o reconhecimento de sua cidadania, dignidade e respeito, conforme positivado na Constituição Federal, no ECA e na Convenção dos Direitos das Crianças. Os filhos de Silvânia foram apreendidos de forma covarde, à luz de um INDEVIDO PROCESSO LEGAL, sem que ninguém lhes explicasse sobre o que estava acontecendo, por que ou para onde iriam e quem os cuidaria. Após a medida, nem o Ministério Público ou Poder Judiciário buscaram informações sobre a convivência das crianças com os guardiões.
Salientamos que não pode passar despercebido o papel desempenhado pela Sra. Carmem, conhecida na região há mais de quatro anos como “mulher que leva crianças para criar”, embora jamais investigada pelo Poder Público.
Desta forma reiteramos nossa luta na defesa intransigente do cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, da Constituição Federal e da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, insistindo no pedido de revogação da guarda provisória e imediato retorno de todos os filhos de Silvânia, como já consta nos autos do processo.
Waldemar Oliveira, OAB 16177
Maurício Freire, OAB 13469
Isabella da Costa Pinto, OAB 24903